Este blog é para você que é um Batista Reformado, e que entende que a Confissão de Fé Londrina de 1689 é como "espinha dorsal" no entendimento das doutrinas bíblicas.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O que é Hiper-calvinismo?

Gilson Santos


Alguns não-calvinistas tendem a chamar de “hiper-calvinista” qualquer calvinista que tome mais seriamente suas convicções acerca da soberana e livre graça de Deus. Muitos arminianos automaticamente chamam um calvinista de “hiper” da mesma maneira que alguns chamam toda pessoa mais conservadora de “bitolada” ou toda pessoa mais liberal de “descrente”. O vocábulo assume, assim, uma conotação generalizada, imprecisa e, sobretudo, desairosa. “Hiper-calvinismo” seria, desta maneira, quase um xingamento.

Alguém certa vez sugeriu que hiper-calvinismo seria como um “calvinismo que ingeriu açúcar demais”. Não estou certo se podemos comparar isto em termos de mais ou menos açúcar na dieta. Muito freqüentemente as pessoas supõem que a diferença entre Calvinismo e Hiper-calvinismo é simplesmente uma questão de grau. Talvez a própria nomenclatura aqui, infelizmente, crie alguns embaraços, pois o prefixo grego “hiper” significa “além”, “excesso”, e, literalmente, “posição superior”. Entretanto, como Dr. Iain Murray muito apropriadamente aponta, a questão não se compara à diferença na “altura dos forros entre duas capelas”. Spurgeon fez questão de deixar isto claro quando insistiu que a real diferença era entre “verdadeiro” e “falso” calvinismo. Ao mesmo tempo ele era cuidadoso em dizer que seu uso da palavra Calvinismo não significava que considerasse o reformador do século dezesseis como um padrão de verdade. Esta descrição simplesmente intencionava designar “o glorioso sistema que ensina a salvação como sendo, do princípio ao fim, mediante a graça”. E ele estava certo que o ensino do reformador não era o que os hiper-calvinistas ensinavam. E em sua leitura dos antigos Puritanos, Spurgeon também estava convencido de que eles não apoiariam as crenças do hiper-calvinismo.

De fato, o hiper-calvinismo emerge apenas onde e quando a verdade da soberania de Deus na salvação é firmemente crida. E nos dias atuais, quando o calvinismo evangélico tem sido novamente recuperado em muitas partes da terra, o perigo do hiper-calvinismo é, mais uma vez, uma real possibilidade.

Alguns, quando pensam em hiper-calvinismo, têm suas mentes voltadas para a questão da predestinação simples versus predestinação dupla, ou, para utilizar os jargões teológicos, a visão infralapsária contra a visão supralapsária. E, assim, para alguns, hiper-calvinismo seria defender que Deus não apenas predestina para a salvação, mas também para a condenação. Ou, colocando a questão de outra maneira: Deus predestina alguns pecadores, caídos, para a salvação, de tal forma que, em termos lógicos, o decreto da predestinação sucede ao decreto da queda? Ou, Deus predestina alguns homens para a salvação e para a condenação, de tal maneira que o decreto da queda sucede logicamente ao decreto da predestinação? Estas questões parecem ter o seu lugar para discussão, e têm sido mesmo objeto de longos e enfadonhos debates escolásticos. Para mais detalhes sobre este debate, acesse online, Notas sobre Supralapsarianismo & Infralapsarianismo, por Phillip R. Johnson. Parece-me, contudo, que a crença na dupla predestinação, em si mesma, não se qualifica como hiper-calvinismo em seu sentido teológico e histórico.

Teologicamente, hiper-calvinismo se dá quando a pessoa perde o ponto do equilíbrio e da relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, de tal forma que a primeira doutrina é forçada e a segunda minimizada. Para o hiper-calvinista, visto que Cristo é o Salvador apenas dos eleitos, portanto, não é dever do não-eleito crer nEle pois a salvação não lhe foi providenciada. Afirmar que a fé é um “dever de todos” é estigmatizado como “o erro da fé como dever”. Assim, o ponto nevrálgico do hiper-calvinismo parece residir na negação de que é dever de todos os homens em geral crerem no Senhor Jesus Cristo para a salvação de suas almas. O hiper-calvinista minimiza a responsabilidade dos pecadores, e particularmente diante da oferta e chamada do evangelho. E, conseqüentemente, o pregador não pode clamar de bona fide a todos os homens para crerem no Senhor Jesus Cristo. O hiper-calvinista se negará a afirmar que a apresentação e os convites do evangelho se aplicam a todos os ouvintes, e há de limitá-los, pelo menos em sua intenção, apenas ao eleito. Esta é a razão porque há a tendência de pouco evangelismo e pouca pregação fervorosa da parte do hiper-calvinismo. Assim sendo, a batalha em torno do hiper-calvinismo torna-se mesmo uma batalha em torno da pregação do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

Para uma boa e apropriada definição de Hiper-calvinismo quero recomendar o artigo de Phillip R. Johnson, A Primer on Hyper-Calvinism, online em: http://www.gty.org/~phil/articles/hypercal.htm. Recomendo também a leitura do livro de Dr. Iain Murray, Spurgeon v. Hyper-calvinism; The Battle for Gospel Preaching (184 páginas - ISBN: 0-85151-692-0, Banner of Truth). O livro encontra-se recomendado na lista de livros do web-site da CRBB.

Outros textos que talvez possamos recomendar são: Calvinism, Hyper-Calvinism and Arminianism, por Kenneth Talbot & Gary Crampton (142 páginas). E, para uma análise mais exaustiva sobre a emergência do Hiper-calvinismo na Inglaterra, acesse online: The Emergence of Hyper-Calvinism in English Nonconformity, 1689-1765, por Peter Toon.

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